Projeto do IFS percorre Sergipe para fortalecer os laços contra o racismo e conscientizar a comunidade
Sob o abrigo do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi), a iniciativa possui o objetivo de garantir a permanência e o êxito de afro-brasileiros e indígenas na instituição
Por: Geraldo Bittencourt e Monique de Sá
Nos últimos dois meses, os corredores do Instituto Federal de Sergipe (IFS) ecoaram mais do que simples conversas entre alunos e professores. Fazia-se ouvir o som da história, das raízes, da resistência e da luta contra o preconceito. Sob o abrigo do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros e Indígenas (Neabi) está o Projeto Aquilombar, que possui uma missão clara: conectar, sensibilizar e fortalecer, com o intuito de garantir a permanência e o êxito de afro-brasileiros e indígenas na instituição. Uma agenda cuidadosamente planejada permitiu à equipe do Neabi visitar todas as regiões de Sergipe para espalhar a mensagem da equidade racial e da importância da consciência negra e indígena.
A criação do Neabi no IFS obedeceu às determinações das leis nº 10.639/2003 e nº 11.645/2008, que orientam sobre o ensino de história e cultura afro-brasileira e indígena, respectivamente. Este núcleo trabalhou nos últimos anos para promover uma educação voltada para as relações étnico-raciais. A visão é clara: ao compreender e abordar esses tópicos com profundidade, o IFS pode desempenhar um papel ativo na superação do racismo e outros preconceitos.
Dados da Plataforma Nilo Peçanha, de 2022, mostram que a necessidade dessa consciência é concreta dentro do IFS. No instituto, 78% dos alunos se autodeclararam negros, com campi como Estância e São Cristóvão registrando mais de 80% nessa categoria. Essas estatísticas apenas realçam a relevância e a urgência do trabalho do Neabi.
O coordenador do Neabi, Alexandre de Oliveira, reforçou a importância de pensar na trajetória completa dos alunos. "Embora a política de cotas tenha garantido o ingresso dessas populações na instituição, é imperativo que avancemos nas questões institucionais para garantir a permanência e o êxito desses estudantes. Se as instituições de ensino refletem a desigualdade da sociedade, nosso trabalho deve ser para diminuir esse fosso social, assegurando não apenas o acesso, mas também a continuidade e o sucesso desses alunos no IFS", apontou.
Ainda segundo Alexandre, a interação com a comunidade acadêmica não é apenas informativa, mas também uma chance de reflexão sobre a educação étnico-racial no contexto do IFS. E, visando perpetuar esses momentos, uma ideia surgiu: a criação de um documentário destinado tanto ao público interno quanto ao externo. Esse material terá como objetivo registrar e compartilhar as experiências, desafios e avanços relacionados às questões étnico-raciais na instituição.
Desafios
Em Propriá, a fala calma e firme de Victor dos Santos Vilas Boas, coordenador de Assistência Estudantil, evocava memórias de dias difíceis, em que a cor da pele lhe custou oportunidades e momentos de paz. "A consciência racial veio na minha infância, quando percebi as diferenças e os preconceitos. A dor do racismo é profunda, é silenciosa", disse. E, ao falar sobre o Projeto Aquilombar, seus olhos brilhavam com esperança: "Construir espaços de diálogo dentro da escola sobre a negritude e indigenismo é fundamental. Estamos todos no mesmo barco".
Dentro do projeto Aquilombar, há um forte compromisso de se conectar e compreender os alunos. Durante a visita aos campi, um grupo de WhatsApp foi criado como ferramenta de comunicação e tem sido uma maneira eficaz de manter esse canal aberto. De 20 membros iniciais, o grupo saltou para cerca de 150, incluindo alunos e servidores, o que indica uma participação crescente e um compromisso genuíno com o projeto.
No mesmo lugar onde histórias e sonhos se entrelaçam, os números frios e severos da realidade surgem para reforçar que o caminho ainda é longo. A Coordenadoria de Análise Criminal e Estatística (CEACRim) da Secretaria de Estado da Segurança Pública (SSP/SE) mostrou que, só neste ano, 43 ocorrências foram marcadas pela mancha do racismo. Em 2022, esse total chegou a 111, e um ano antes, 60. Cada um desses números representa uma história, um momento de dor ou indignação. E nesse cenário, a missão do Projeto Aquilombar se torna ainda mais urgente e essencial: é uma das respostas do IFS a um mundo que ainda precisa aprender a enxergar além da cor da pele.
Contudo, em meio à dureza dessas estatísticas, a esperança reverbera nas vozes daqueles que optam por resistir e educar. Jacilene de Jesus Oliveira, bibliotecária do Campus São Cristóvão, carrega em seus ombros o peso do preconceito desde criança. "O Neabi é necessário. Ele me mostra que não estou sozinha. Há pessoas comprometidas em fortalecer e diminuir o preconceito", disse ela, recordando os momentos em que foi negado um lugar nas primeiras fileiras da sala de aula, quando estudante, ou quando a beleza de sua negritude era questionada.
Planos
Através das visitas aos campi, o Neabi reconhece e assume a responsabilidade em dar continuidade ao projeto Aquilombar, que se projeta para 2024. Estas visitas, que começam com diálogos estratégicos com as equipes gestoras, encontram sua real essência nas conversas com os estudantes. Um deles é Renata Pereira dos Santos, do Campus São Cristóvão, que exala força e determinação. "Eu sempre sofri preconceito, e ele sempre vai existir. Mas, na fase adulta, entendi que aquilo acontecia por eu ser negra", disse Renata, defendendo a importância do Neabi. "É bom saber que existe um grupo que defenderá seus direitos e te dará orientação."
A rota futura inclui uma etapa de formação e uma fase de elaboração de projetos para captação de recursos, nas quais se reconhece a urgência de solidificar as relações étnico-raciais e manter a base estudantil motivada. Para o "Novembro Negro no IFS" a proposta é a de que cada campus planeje atividades que reflitam sobre o Dia da Consciência Negra. Em parceria com a Diretoria de Assistência Estudantil, estão previstos encontros de lideranças negras e estudantis para o próximo ano, alinhados à meta de formar um coletivo em 2024. Todos esses passos são essenciais para intensificar, robustecer e expandir a política de inclusão no IFS.
À medida que o Projeto Aquilombar avança, fica evidente que seu propósito transcende uma mera iniciativa acadêmica. Mais do que isso, representa uma profunda reflexão sobre identidade, uma incansável busca por justiça e uma oportunidade única de ensino e aprendizado. O projeto é a manifestação tangível da resistência, da voz daqueles que anseiam por mudanças. E, com determinação, o Aquilombar segue seu percurso, na esperança de que, um dia, as histórias de preconceito se tornem apenas memórias, e a verdadeira essência da humanidade - a igualdade - prevaleça.
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