"O IFS foi o único lugar que me acolheu", revela aluna com Transtorno do Espectro Autista
A vida de Beatriz Casa Nova Ferreira passou por uma grande mudança após o seu ingresso no Instituto Federal de Sergipe (IFS). Até então aluna de uma conhecida instituição privada de Aracaju, ela relata que possuir o Transtorno do Espectro Autista (TEA) lhe rendia rejeição, preconceito e até agressões físicas por parte dos colegas. Tudo mudou, há 3 anos, quando se tornou estudante do curso integrado de química, do Campus Aracaju. A jovem explica que, no IFS, pela primeira vez se sentiu amparada como pessoa, não apenas como discente: "Foi o único lugar, fora de casa, que me acolheu". A importância da inclusão de pessoas com TEA e os desafios na educação estão sendo debatidos hoje, 2 de abril, Dia Mundial da Conscientização do Autismo.
A vida de Beatriz atualmente é reflexo do bom ensino que o IFS oferta aos seus estudantes com um ambiente sadio que estimula a socialização. O início do processo de criação de laços aconteceu através do estímulo da sua mãe, que a desafiou a ter um amigo. "Então, um dia eu vi uma pessoa da minha sala sozinha e pensei que era mais fácil "abater" uma presa "separada do bando", do que em grupo", conta a garota, que esperou xingamentos e nova rejeição como contrapartida à tentativa de amizade. "Me surpreendi quando ele foi legal comigo. Depois, ele me apresentou aos seus amigos, alguns dos quais, no início, eu tinha medo, mas agora eu amo todos como irmãos", aponta Beatriz.
Os sinais que enquadram a estudante do IFS com o TEA estão ligados, em grande parte, a dificuldades com interações sociais: "Não olho nos olhos das pessoas que não conheço, faço movimentos repetitivos contínuos e não gosto de sair de casa", conta a jovem, que diz sempre ter possuído boas notas, especialmente em química e matemática. Outras características comuns, em casos mais severos, são o desinteresse em compartilhar gostos, não desenvolver a linguagem oral ou apenas repetir frases ouvidas e não reagir a emoções - como, por exemplo, a criança que vê que a mãe se machucou, mas não faz carícias ou dá beijo para consolá-la.
Pouca informação
O diagnóstico do transtorno com um especialista médico e a posterior comunicação ao IFS sobre as necessidades específicas do aluno são as condutas mais importantes para inspirar a criação de políticas institucionais para estudantes com TEA. Do universo de mais de 4 mil alunos matriculados em todos os campi, apenas Beatriz e mais dois discentes informaram sua condição através do Sistema de Gerenciamento de Atividades Acadêmicas (Sigaa), plataforma oficial de interação entre o corpo de alunos e a instituição. Apesar do recorte local, os dados não corroboram com o aumento expressivo em nível nacional verificado pelo Censo Escolar, que é divulgado anualmente pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). O número de alunos com TEA matriculados em instituições comuns subiu 37,27% em um ano - em 2017, mais de 77 mil crianças e adolescentes com autismo estudavam na mesma sala que pessoas sem deficiência; em 2018, o número saltou para quase 106 mil.
Embora não possua informações robustas de matrículas de estudantes com TEA, há iniciativas na instituição voltadas para os alunos que possuem o transtorno. Uma delas é empreendida no projeto Materiais Interativos Digitais para Ensinar e Aprender Matemática (Mideam), ao qual o docente Danilo Lemos é vinculado. Um dos produtos criados foi o aplicativo "Autie, o calculista", que conta a história de um garoto autista que vai visitar um zoológico e se depara com situações de contagem de 0 a 10. "Quando criamos o Mideam, começamos com o objetivo de capacitar professores da Rede para utilizar as tecnologias. Há três anos estamos criando também materiais interativos, como o app Autie. Eles possuem como finalidade a alfabetização matemática", conta Danilo, que também é pai de um jovem com TEA.
Dentro do IFS, a Diretoria de Assuntos Estudantis (Diae) é o setor responsável pelo desenvolvimento de políticas para alunos com necessidades especiais. Christianne Rocha Gomes, coordenadora de suporte psicossocial e pedagógico, aponta outras iniciativas que já foram implantadas com a intenção de tornar a instituição inclusiva, como a reserva de vagas para Pessoa com Deficiência (PcD) nas seleções de novos discentes, a formação de comissão permanente para acompanhamento dos atendimentos diferenciados nos processos seletivos e a institucionalização, em nível de reitoria, de um núcleo de acessibilidade e inclusão para dar suporte aos núcleos dos campi.
Desafios
Apesar de reconhecer os avanços, Christianne avalia que ainda existe muito a ser feito e conta que muitas iniciativas são fruto de ações individuais de técnico-administrativos e docentes. “Em um movimento independente, os profissionais que atuam diretamente com os estudantes com TEA estão buscando conhecimentos e experiências de trabalho em outras instituições. Dialogam com outros professores sobre as adequações educacionais necessárias, bem como com o aluno com TEA e a sua família, envolvendo-os no processo”, completa a psicóloga, que ainda ressalta a necessidade de sensibilização da comunidade estudantil no que toca ao processo de inclusão dos estudantes com necessidades específicas.
Diante das dificuldades empreendidas por Beatriz e o seu êxito - com apoio do IFS na oferta de um ambiente que, ao invés de reprimir, estimule o livre desenvolvimento - em alcançar a liberdade social e intelectual, a jovem revela que já está com o olhar no futuro. "Quero ser engenheira ou professora de química, o que vier primeiro". Após todo percurso e os desafios para chegar até aqui, uma pergunta sobre Beatriz não deixa de fazer sentido: alguém duvida?
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