Campus São Cristóvão saúda os povos indígenas
O Campus São Cristóvão respira cultura. É um solo fértil onde ela resplandece e transborda, por meio de muitas mãos, em prol do desenvolvimento do indivíduo.
Respeito era a palavra de ordem em todo o ambiente. O aluno Gabriel Queiroz, fez uma inserção relevante que corrobora com o sentimento coletivo. "Pelos deuses indígenas, pelos povos indígenas, pela resistência dos povos indígenas: eu digo não ao preconceito, eu digo não ao ódio, eu digo não à devastação da cultura indígena. Eu digo sim ao amor, eu digo sim à liberdade, eu digo sim à resistência dos povos indígenas", incita.
Concebido pela professora Lindamar Oliveira, pesquisadora e entusiasta da civilização indígena, a abordagem aplicada visa exibir à comunidade acadêmica a diversidade de costumes existentes, bem como apresentar relatos das vivências adquiridas durante a convivência com uma população com características peculiares. "Lindamar tem sido, hoje, essa representação importante na escola, no sentido de nos trazer à reflexão", aponta Aristela Aristides, pedagoga.
Xokó
"Eu entrava no Amazonas e não entrava em Sergipe", destaca Lindamar ao citar a dificuldade em ter aproximação com a aldeia xokó. "Nós passamos cerca de um ano e meio tentando saber quem era esse povo. Eu tinha acesso à área indígena do Amazonas, há 30 anos estou nesta batalha, desde a época que eu fui para a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mas tinha aquela coisa guardada no peito querendo explodir e explodiu com a lei. Foi muito bom para mim dentro da disciplina de artes", relata.
A possibilidade de ingressar à comunidade surgiu por intermédio de um professor da Instituição. "Ele tem parentesco com as pessoas que ali ocupavam as terras. Ele nos levou, apresentou na região, encaminhou a prefeitura. É muito difícil você adentrar a área indígena, não tem campainha para tocar, você não entra de graça nessas áreas tradicionais." explica.
A origem e lutas dos xokós foram temas da discussão apresentada pelo professor Edimilson Oliveira. Na ocasião, lembrou que o grupo é a única etnia do estado e possui uma organização social consolidada. "Tem uma frase do cacique Bah que me tocou muito: aqui têm pessoas com necessidades grandes, mas não passam fome, porque um auxilia o outro", narra.
Uma vez na comunidade, segundo a pesquisadora, o desafio foi delimitar o objeto de trabalho. A pintura corporal, a dança e as panelas emergiram como possibilidades instigantes. Contudo, o cacique determinou que as duas primeiras não deveriam ser abordadas, pois eles expressavam bem e que a terceira opção deveria ser a escolhida.
Assim, foi realizado um trabalho com as panelas produzidas na tribo. "Começamos a investigar as panelas indígenas. Eles têm quatro tipos de panelas e cada uma tem sua representação simbólica", relata.
Sangue indígena
Descendente indígena, doutora, assim é a Sarita Campos, docente do campus São Cristóvão. "Ainda no nosso país, quando se trata de indígena, ou você vê um índio pelado e imagina aquele índio, lá no meio da mata, no meio do Amazonas ou, senão estiver em traje característico, logo associa a um (índio) estrangeiro", desabafa.
Neta de índia e nascida em Roraima, Sarita discorreu acerca dos povos existentes no local. O espaço tri-fronteiriço, possui etnias diversas, dentre elas a yanomami. "Diferente da região de Sergipe, de acordo com o que foi retratado por Lindamar, ainda é comum encontrarmos o tipo de moradia que chamamos malocas", ressalta. "A professora Sarita é a própria representação dos povos indígenas", empolga-se Lindamar.
Com originalidade, a professora macuxi ou wapixana, há dúvida quanto sua etnia, apresentou as diversas faces dos povos tão distintos e singulares. Abordou, além de aspectos da arte, usos e costumes, temas pertinentes como a construção da usina Belo Monte, a prostituição e a crise da Venezuela. "Nós sabemos que a Venezuela está passando por uma condição muito difícil, triste e decadente. No recesso, eu pude ir em casa e um cenário que me impactou foi a presença de indígenas no centro da cidade, em cada esquina, como pedintes, com bebês, e eu nunca tinha visto nada parecido na região", analisa. Conforme a docente, os índios em situação de rua são provenientes do país vizinho.
A explanação permitiu que o território de Roraima fosse percorrido naquele auditório por estudantes ávidos por informações. Interessados questionaram acerca das experiências pessoais da docente.
Com tantos viés, a intolerância entrou em pauta. "Somos vistos como os escravos foram, digamos assim. Fomos para estar na cozinha, para estar somente nos currais. Existe essa visão, de ser a doméstica, a empregada, a que cuida da criança, eu sofri preconceitos diversos por ser descendente indígena, ser cabocla. Eu não era digna de pertencer a uma determinada família, por exemplo", desabafa.
"Chega um momento, até por falta de autoestima que você quer ser diferente do que é. Por falta de conhecimento, porque é excluída, é apontada.
A transformação ocorreu por meio da leitura, mas também quando ingressei na universidade. A melhor coisa é a universidade, vai encontrar de tudo, e a literatura", afirma. Entre o curso técnico em Agropecuária e a graduação, Sarita aguardou 10 anos pela chegada da universidade no estado, onde cursou Agronomia. Como tantos brasileiros, foi o primeiro membro da família possuir nível superior.
O interesse pela terra e o incentivo dos professores levaram a roraimense à Universidade Federal de Viçosa onde cursou mestrado. "Lá eu não vi o preconceito e sim a valorização", frisa.
"O preconceito que experimentei, sofri porque aceitei, porque eu permiti. Você tem uma parte de culpa numa situação como essa. A gente não é totalmente isento. É o tipo de coisa que não precisa confrontar, mas não tem que assimilar. Eu encaro isso como tristeza para o outro. Nesse sentido, vou seguindo dando graças a Deus pelas minhas conquistas", pondera.
Precursor
É pertinente salientar que o movimento indígena, na instituição antecede a lei nº11 645, de 10 de março de 2008, e foi lembrado pelo professor Hunaldo Oliveira: "No passado, nós tivemos aqui – fazendo um resgate aqui a história do Campus – por força de um convênio com a antiga Coordenação Nacional do Ensino Agrícola (COAGRI), uma cota de alunos indígenas. Salvo engano, aconteceu no final da década de 80, acolhemos alunos de uma tribo chamada tribo Fulni-ô e foi uma experiência belíssima", relata.
Atualmente a professora Lindamar Oliveira é referência, no contexto institucional, pelos trabalhos e pesquisas desenvolvidas e aplicadas nas aulas de arte. A lei, no âmbito do Campus São Cristóvão, endossa a relevância das propostas apresentadas, inclusive, para capitação de recursos e viabilização de projetos mais amplos.
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