"Minha vida já está aqui", conta imigrante russa que busca naturalização no Brasil
Russa, venezuelano e mais 10 imigrantes dão novo passo rumo à naturalização com avaliação presencial de Língua Portuguesa
Uma manhã ensolarada de setembro marcou uma nova fase para Valeriia Tugova, 35 anos, zootecnista e adestradora de cães militares. O ar carregava expectativa enquanto ela, juntamente com outros 11 estrangeiros, aguardava na Reitoria do Instituto Federal de Sergipe (IFS) para realizar a avaliação presencial de Língua Portuguesa para Estrangeiros, Imigrantes e Refugiados. Era a chance de muitos deles darem mais um passo rumo à cidadania brasileira, e, para Valeriia, um momento simbólico de reconhecimento, após anos de luta por estabilidade e pertencimento em terras estrangeiras. A sala estava preenchida com uma mistura de sotaques e olhares atentos, com cada candidato empunhando a memória de suas origens – lembranças que foram resgatadas naquele instante pelo simples gesto de trazer a bandeira de seus países ao local da prova.
Nascida e criada na Rússia, Valeriia deixou seu país em outubro de 2019, com o Brasil como destino. A decisão foi calculada e arriscada, como tantas outras de sua trajetória, mas trazia junto a promessa de um futuro melhor. A saída foi marcada por um silêncio contido – como muitos compatriotas que deixam a terra natal, ela saiu em condição de turista, dizendo buscar aventura e descanso. Mas o verdadeiro objetivo era outro: reconstruir sua vida em uma sociedade que oferecesse melhores oportunidades para estrangeiros. Em questão de dias após sua chegada, Valeriia deixou de ser turista para se tornar residente, iniciando ali uma história de adaptação.
A vida fora da Rússia revelou-se mesmo desafiadora. Ao longo dos últimos dois anos e meio, Valeriia teve que enfrentar inúmeras dificuldades que surgiram com as mudanças econômicas e políticas no contexto global. A instabilidade financeira, agravada por restrições bancárias que dificultaram o acesso ao dinheiro russo, trouxe uma reviravolta abrupta à sua rotina e à de muitos outros russos. Contas bancárias bloqueadas, cartões de crédito inutilizáveis e a impossibilidade de transferências monetárias para fora do país foram apenas algumas das barreiras que ela precisou transpor. Mesmo com todos esses obstáculos, sua força para sobreviver se manteve inabalável, e Valeriia encontrou formas de contornar as limitações financeiras e seguir em frente.
Apesar dos desafios enfrentados, Valeriia se diz feliz em terras brasileiras. Aqui encontrou uma recepção acolhedora e um povo de paz, disposto a abraçar estrangeiros e ouvir suas histórias. No Nordeste, que ela considera uma região de alegria e hospitalidade, descobriu um espaço para crescer e empreender. Com uma floricultura online chamada “Amor e Morango”, a russa transformou sua paixão por flores em um negócio próspero que se estende há mais de quatro anos. “O Brasil oferece oportunidades para todos os estrangeiros, tanto em termos de documentos como de mentalidade”, ressalta ela, com um sorriso no rosto. O olhar receptivo e a curiosidade típica dos brasileiros a fizeram sentir-se em casa, apesar de estar tão distante de suas origens.
Frederico Chaves Sampaio Júnior, assessor de relações internacionais do IFS, foi peça fundamental para a organização da avaliação. Segundo ele, a prova atende a uma exigência importante para o processo de naturalização no Brasil. “Os estrangeiros precisam fazer um curso reconhecido pelo Ministério da Educação, como o nosso de Português como Língua Adicional, e nesse curso tem que haver pelo menos uma avaliação presencial”, explica. Ao identificar a necessidade de incluir a avaliação no processo, o IFS atualizou seu Projeto Pedagógico de Curso (PPC) para contemplar essa etapa essencial. “Esse é um dos requisitos que eles precisam preencher para obtenção da naturalização, e nós ajudamos dentro do que nos compete”, conclui Frederico.
Iginio e o recomeço no Brasil
Enquanto Valeriia esperava seu momento de brilhar na prova de português, o venezuelano Iginio José Rivero Moreno, de 49 anos, também criava expectativas para cumprir esta etapa do processo necessário para a naturalização. Licenciado em Educação na Venezuela, trabalhava como docente universitário e escultor. A crise que assolou o país a partir de 2015 trouxe muitos desafios, levando-o a deixar sua terra natal em 2019. Inicialmente, a visita ao Brasil era para passar férias e explorar possibilidades. No entanto, a pandemia de 2020 e eventos pessoais acabaram prorrogando a estadia, que se transformou em uma nova vida.
Iginio encontrou no Brasil uma nova chance. “A minha experiência de vida neste país tem sido grata. Em termos gerais, posso dizer que tenho vivenciado uma grande solidariedade e apoio por parte do povo brasileiro com os quais tive contato”, conta. Hoje ele vive como autônomo, trabalhando como escultor, e encontrou a estabilidade emocional ao construir uma família com sua esposa brasileira, Talita Xavier Costa, e sua filha, Manuela de Las Rosas Rivero Costa. Os finais de semana são preenchidos com passeios, encontros familiares e momentos de celebração pela terra que o acolheu. Embora diferenças culturais entre Brasil e Venezuela sejam evidentes – da língua a costumes e tradições –, Iginio se adaptou com naturalidade e, até mesmo, trouxe um toque de sua cultura para seu novo lar. Ele recorda com saudade da famosa farinha de milho branco venezuelana, usada para fazer as tradicionais arepas, mas encontrou formas criativas de driblar a ausência de ingredientes típicos, e assim mostrar que as raízes podem florescer em qualquer lugar onde se sinta acolhido
Ao final daquela prova de setembro, todos os 12 candidatos foram aprovados. Assim, mais um passo foi dado rumo ao sonho de se tornarem oficialmente brasileiros. “Não é possível planejar algo – ninguém sabe o que acontecerá amanhã. Mas eu não pretendo voltar para a Rússia, apenas visitar. Minha vida já está aqui”, diz Valeriia, olhando para o futuro com os olhos de quem já encontrou um novo lar.
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