Talentos do IFS se adaptam para manter a tradição junina
Mesmo em quarentena, alunos e servidores tocaram, declamaram e fizeram decorações na maior expressão da cultura popular nordestina
Por Adrine Cabral
“Este ano São João ‘tá’ diferente”. A frase foi muito citada em diversas redes sociais nas publicações do dia 23 de junho, véspera do Dia de São João, e principal data de comemoração dos festejos juninos (compostos também pelo dia de Santo Antônio, 13, e São Pedro, 29). Se para qualquer nordestino esse foi um mês de junho atípico, para quem é artista se tornou uma questão de honra realizar uma releitura da maior expressão da identidade e da cultura nordestina, mesmo obedecendo o distanciamento social por causa da pandemia de Covid-19.
Entre os milhares de artistas que não deixaram a tradição de lado neste ano, estão os alunos e servidores do Instituto Federal de Sergipe (IFS). Seja nos campi ou na Reitoria, são diversos os casos de gente da comunidade acadêmica apaixonada pelo universo da cultura regional que é representada nos festejos juninos, seja na música, na poesia, na dança ou mesmo no artesanato e na decoração de suas casas ou locais de trabalho.
É o caso de Hortência Moura, administradora do Campus Aracaju. Todos os anos ela providencia a decoração do setor onde que trabalha, junto com os colegas, e da própria casa, fabricando itens e montando cenários. Diante da necessidade de quarentena dos servidores, que estão trabalhando em revezamento, não houve a decoração no local de trabalho, mas ela adaptou um cenário na varanda de casa para curtir os festejos juninos com o núcleo familiar: filha, esposo e mãe.
“Desde criança nos reuníamos na casa da minha avó paterna, com meus pais, tios, primos vizinhos e amigos. Enfeitávamos com bandeirinhas de papel a parte externa da casa, fazíamos fogueira e comidas típicas. Trouxe essa tradição para a minha vida adulta, reunindo todos na casa dos meus pais, mantendo a tradição de enfeitar a varanda onde comemorávamos perto da fogueira. Quando entrei no IFS, em 1995, passei a me juntar aos colegas para enfeitar o setor, inicialmente no Campus Lagarto, onde comecei a trabalhar na instituição, e agora no Campus Aracaju”, relata.
Versos
Essa é também uma época movimentada para quem se dedica ao cordel, que envolve a declamação de poemas em textos rimados, que são impressos em folhetos e, originalmente, pendurados em cordas para a venda em feiras. Foi aos 9 anos, durante uma olimpíada de língua portuguesa que a egressa do curso técnico integrado em Agropecuária, Emilly Barreto, descobriu a arte e não parou mais de criar e declamar versos. Atualmente ela estuda Letras Português na Universidade Federal de Sergipe, possui 10 textos publicados em Antologias poéticas nacionais e internacionais, inclusive uma promovida pelo IFS, e já publicou dois folhetos de cordel: "Lampião, Herói ou vilão?" e "Jeitinho brasileiro, o apelido da corrupção".
“Em outros anos costumam me convidar nas escolas para expor os cordéis e declamar no arraial. É uma época em que o gênero cordel e a declamação são muito enaltecidos, isso reflete muito até mesmo na venda dos folhetos, com muitos eventos onde na literatura a figura do cordelista é protagonista. Para continuar promovendo o cordel, promovi algumas lives por meio do meu Instagram (@emillysilvabarreto) para declamar meus cordéis e interagir com o público, e criei canal no YouTube ‘Um amontoado de versos’, onde posto vídeos declamando cordel e enaltecendo nossa cultura popular. Participei de um sarau virtual com uma série de cordelistas, onde cada um pode se expressar e o pessoal de casa acompanhar e matar um pouco da saudade dos festejos juninos”, ressalta a cordelista e ex-aluna do IFS.
Sons
Outra expressão artística ressaltada durante os festejos juninos é o ritmo musical do forró. Quando sanfona, a zabumba e o triângulo tocam canções de artistas consagrados como Luiz Gonzaga e Dominguinhos, todo nordestino se emociona e relembra o calor da fogueira, os arraiais, as quadrilhas, e até da cor e do cheiro das comidas típicas. Andrêzza Castro, assessora de Comunicação e Eventos do Campus Glória, é dessas pessoas que se emocionam com a cultura regional e ficou sem tocar seu triângulo pela primeira vez em 20 anos. Natural da cidade conhecida pelo maior arraial do país, Campina Grande, na Paraíba, ela sente muito a falta dos festejos.
“Eu fazia teatro na minha cidade e precisei aprender como tocar o instrumento para uma apresentação, então fui convidada para tocar em bandas e não deixei mais o triângulo. Mesmo quando entrei para o serviço público, em Roraima, continuei tocando. E aí vim para Sergipe. Nunca me apresentei em palcos sergipanos, mas sempre tiro minhas férias em junho para retornar à paraíba para tocar. Este ano, fiquei como expectadora das lives (apresentações ao vivo nas redes sociais) de artistas que gosto de acompanhar, pois ouvir os clássicos me levam de volta às minhas raízes, à infância dançando quadrilha. É escutando músicas todos os dias que tenho o conforto que preciso nesse período de isolamento”, explica a servidora.
Outro profissional da instituição que também concilia o serviço público com o forró é Hélio Wilson, assistente de aluno do Campus São Cristóvão. Ele descobriu o talento para a sanfona por acaso, ao participar de uma festa de São João há sete anos e depois disso passou a aperfeiçoar seu dom. “Descobri que um senhorzinho, que mora perto de mim, dava aulas de sanfona, Seu Justino. Aprendi com ele os rudimentos de sanfona. Hoje toco profissionalmente na Banda Prime e do trio da Quadrilha São Bento. Comecei sem expectativa, mas a falta de profissionais desse instrumento no mercado – a insistência de amigos – me fez despertar o interesse. Hoje digo que é um hobby que me traz um retorno financeiro”, relembra Hélio.
Assim como diversos outros artistas da cultura nordestina, o servidor do Campus São Cristóvão também se adaptou em 2020 por causa da pandemia. “Tive a experiência de participar de três lives solidárias e confesso que estranhei um pouco, uma vez que o contato com o público torna a atividade mais empolgante. Além disso, fiquei muito preocupado com o contato com outros integrantes, embora houve o respeito às orientações da OMS, quanto as medidas de prevenção. Por fim, vejo com bons olhos a ‘reinvenção’ dos festejos juninos por meio das lives, visto que a adaptação é uma característica do povo nordestino”, pondera o servidor, que também participa da banda Agroshow, com estudantes do IFS.
Alguns alunos do IFS também se destacam no forró, como no caso de André Roque Almeida Júnior, do curso técnico em Agropecuária do Campus São Cristóvão. Vocalista da banda Agroshow, criada há um ano e meio com mais cinco alunos e com o servidor Hélio Wilson. Ele começou a estudar música em 2018, como lazer, mas passou a se especializar no forró com a criação do grupo do campus onde estuda.
“No ano passado, o mês de junho foi intenso para todos nós, pois conciliávamos as aulas com ensaios (para estarmos afiados) e fazíamos em média duas apresentações por semana. Foi uma grande experiência, que infelizmente estamos deixando de lado este ano por causa da necessidade da quarentena. Está sendo bem triste. Mas, para matar a saudade, estamos preparando uma live solidária com nossa tradição de repertório e com nossa energia, que é diferente”, relata Roque.
É graças à reinvenção de talentos como esses, do IFS, que o povo nordestino encontra o conforto necessário para enfrentar todas as consequências de uma crise de saúde pública sem precedentes na história da humanidade. Seja nas cores das bandeirolas feitas pelos artesãos, nos versos dos cordéis ou no som de letras e acordes do forró, a tradição se mantém viva na memória de um povo que tem a resiliência como uma de suas marcas mais fortes.
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