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ENTREVISTA

Inteligência Artificial promete ser “o petróleo do século XXI”

Criado: Quarta, 23 de Setembro de 2020, 12h54 | Publicado: Quarta, 23 de Setembro de 2020, 12h54 | Última atualização em Sexta, 25 de Setembro de 2020, 16h33

Palestrante internacional da SNCT 2020, professor Carlos Ramos fala sobre o uso de dispositivos inteligentes e o futuro da IA

Por Carole Ferreira da Cruz

17 SNCT Semana Nacional matéria

Tecnologia emergente em franca expansão, a Inteligência Artificial (IA) está em toda parte e cada vez mais integra a rotina das pessoas. O uso de dispositivos inteligentes em celulares, tabletes, drones e automóveis é tão corriqueiro que chega até a ser impercetível. Grandes empresas e governos têm apostado pesado nessa área, que possibilita multiplicar a capacidade racional do ser humano de resolver problemas práticos, simular situações, pensar em respostas e se superar.

Tema da 17º Semana Nacional de Ciência e Tecnologia (SNCT), que ocorrerá de 19 a 23 de outubro totalmente on-line, a IA será abordada na palestra de abertura pelo professor Carlos Fernando da Silva Ramos, coordenador principal do Departamento de Engenharia Informática do Instituto Politécnico do Porto (IPP), em Portugal. É a primeira vez que o Instituto Federal de Sergipe (IFS) traz um especialista internacional para o evento, considerado um dos maiores da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica.

CarlosEm entrevista para a equipe de reportagem do Departamento de Comunicação Social (DCOM), Carlos Ramos falou sobre o que há de mais relevante na discussão sobre IA, como: os estudos que apontam para as interfaces implantadas no cérebro, capazes de auxiliar pessoas com problemas ou lesões cerebrais; o alto potencial para ajudar na tomada de decisões e na resolução de questões centrais da humanidade; e os perigos da concentração nos gigantes do setor de TI e nas superpotências mundiais.

Para Carlos Ramos, a Inteligência Artificial promete ser “o petróleo do século XXI”, em função da iminente desvalorização dessa matriz energética, que deixou como legados perversos para a humanidade a concentração da riqueza e a degradação ambiental. “Mas a IA tem de ser também para resolver os problemas da sociedade, como ajudar a desenvolver vacinas ou a erradicar a fome. As empresas e países fortes na IA devem ter a obrigação de dedicar uma porcentagem significativa dos seus lucros nesses desafios sociais”, defendeu o professor. Boa leitura!

EQUIPE DE REPORTAGEM - A Inteligência Artificial é uma tecnologia presente no cotidiano das pessoas por meio de dispositivos como smartphones, tablets, auto-condução de carros, drones, etc. Onde as novas aplicações da IA são mais promissoras?

CARLOS RAMOS - Uma das áreas com maior desenvolvimento é a de Machine Learning (Aprendizagem Automática), onde se desenvolvem sistemas com a capacidade de aprender de forma automática como faz o ser humano, em particular usando redes neurais e uma arquitetura específica conhecida como Deep Learninig (Aprendizagem Profunda). É o Deep Learning que está por trás de alguns dos grandes sucessos atuais da IA, potenciando o desenvolvimento de outras áreas da IA, como a Língua Natural, nomeadamente os sistemas de Tradução Automática e a Visão por Computador. A IA é também amplamente usada nos veículos autónomos, que iremos certamente ver generalizarem-se na próxima década e aí além de Aprendizagem Automática temos toda a parte de Planeamento Automático, para a geração e adaptação de rotas.

A IA estará em tudo, na indústria, na alimentação, na saúde, na energia e ambiente, no lazer e cultura, nas artes. Estará sobretudo no nosso dia-a-dia, sem darmos por ela. Será quase como um assistente de bordo para nós. Assim como eu uso óculos para ver melhor vou usar a IA para decidir melhor e ter mais acesso ao conhecimento. A IA já não é nova, o termo passou a ser adotado em 1956, num encontro de brilhantes cientistas que decorreu no Dartmouth College nos Estados Unidos. A definição clássica praticamente diz que a IA visa resolver problemas onde o ser humano tem melhor desempenho, ou seja uma vez resolvido um desafio desses a IA tem de encontrar um novo desafio. Primeiro passou a ganhar jogos de damas ao ser humano, depois foi o xadrez, depois o Go e agora são os jogos de computador mais complicados. Há sempre um novo desafio que aparece e isso revitaliza sempre a IA.

ER - Para quais caminhos apontam os estudos atuais sobre Inteligência Artificial no mundo?

Inteligência ArtificialCR - Acho que a IA vai entrar cada vez mais nas nossas vidas. Dou dois exemplos, por um lado as interfaces implantadas no cérebro. A NeuraLink do Elon Musk está trabalhando nesses implantes, para coisas boas como auxiliar pessoas com problemas ou lesões cerebrais, mas que também abrem o campo para coisas menos positivas como usar essas interfaces para induzir sentimentos ou estados menos adequados. Cientistas da Universidade da Califórnia demonstraram a tradução de ondas cerebrais em palavras, positivo para alguem que não possa falar. Mas será que conseguirão no futuro ler os nossos pensamentos?

O outro exemplo tem a ver com os Ambientes Inteligentes, dos quais eu já previa um grande desenvolvimento em 2008 num artigo que escrevi para a revista americana IEEE Intelligent Systems intitulado “Ambient Inteligence: the next step for AI”. A Facebook tem trabalhado o conceito de IA/Cognição Corporizada que nos ajuda a movimentarmo-nos num espaço complexo que desconhecemos.

ER - Quais os interesses recorrentes das pesquisas sobre IA? O que os cientistas procuram desvendar na atualidade? 

CR - Houve sempre alguma competição entre duas escolas da IA. Uma mais focada na representação explicita do conhecimento do domínio, baseada em modelos. Os Sistemas Especialistas que se popularizaram a partir dos anos 70 foram um dos exponentes dessa escola. Essa escola é também responsável pelos métodos de resolução automática de problemas que consideram restrições e conhecimento do domínio específico para encontrar soluções. Por outro lado há a escola do Machine Learning, bem antiga, aliás o primeiro trabalho que consideramos ser de IA é o modelo dos neurôneos artificiais do Warren McCulloch e Walter Pitts, de 1943.

Segundo essa escola, se tivermos muitos dados e casos associados a um tipo de problema poderemos resolver novos problemas usando métodos de aprendizagem automática. E de fato estes métodos têm sido responsáveis pelo grande sucesso da IA neste século. Mas têm dois problemas, em primeiro lugar não estão preparados para situações de disrupção, mudança brusca, como agora com a mudança de hábitos e comportamentos derivada do coronavírus. Em segundo lugar são uma caixa preta e não têm a capacidade de explicar como obtiveram as soluções, ao contrário dos sistemas da escola baseada no conhecimento. Surge então uma nova área, a XAI – Explainable AI, que visa ser capaz de explicar as razões inerentes às soluções apresentadas.

ER - Como uma tecnologia emergente, em plena expansão, o que ainda se pode esperar da área de IA para o futuro?

CR - As apostas vão para quando chegaremos ao dia da singularidade, ou seja, o dia no qual a IA terá ultrapassado de fato o ser humano, não numa área específica, como por exemplo fez o sistema Deep Blue da IBM em 1997 quando ganhou ao Garry Kasparov no Xadrez, mas em todas as áreas. Mas eu não vejo isso pela negativa, mas sim pela positiva, a IA irá ajudar-nos a resolver os nossos problemas e se pensarmos bem há muitas situações em que grandes erros são cometidos pelo ser humano, que apesar da sua experiência não tem a capacidade de considerar todos os aspetos que um sistema de IA consegue tratar. Se você já assistiu aquele programa de TV Mayday dos acidentes de aviação viu que em grande parte dos acidentes um problema técnico, que por vezes não é tão crítico e seria facilmente resolvido, faz com que o piloto ou co-piloto tomem decisões erradas que acabam por acelerar o acidente, porque ficam bloqueados, por vezes nem dão atenção à torre de controle e insistem num erro. Como seria bom ter um momento em que algo baseado em IA tomasse o controle e decisões nessa situação. 

ER - A IA permite que os sistemas tomem decisões de forma independente, precisa e apoiada em dados digitais. Isso pode multiplicar a capacidade racional do ser humano de resolver problemas práticos, simular situações, pensar em respostas ou potencializa a capacidade de ser inteligente?

CR - Sim, é mesmo isso. Numa situação de indecisão o ser humano vai ter capacidade de recorrer à IA para ver cenários alternativos e escolher o melhor, ou o mais seguro. Eu vejo a IA como uma extensão das nossas capacidades, um assistente de bordo para a nossa viagem no mundo.

ER - Embora a IA não seja nova, sua influência na vida das pessoas cresceu excepcionalmente nos últimos anos. Como líderes políticos e empresariais podem usar esse conhecimento em benefício do bem comum?

CR - Mais de 50 países definiram estratégias para a Inteligência Artificial, incluindo Portugal e Brasil. Todas as grandes empresas de Tecnologias de Informação colocaram a IA como a primeira prioridade, muitas startups e spinoffs estão surgindo nas áreas da IA e as grandes empresas de outros setores, como do automóvel, energia e saúde, só para referir alguns, estão com a IA nas grandes prioridades. Os Emirados Árabes Unidos nomearam Omar Bin Sultan Al Olama como Ministro de Estado para a IA. Daí que eu falo “a IA é o Petróleo do século XXI”, eles sabem que o Petróleo vai desvalorizar ou acabar e estão apostando já na riqueza seguinte, a IA. O problema é que há o risco de haver concentração dessa riqueza, em algumas empresas como a IBM, Google, Facebook, Amazon, Baidu ou outras do setor das TI, muito centradas em países como os Estados Unidos e a China.

ER - Os estudos em IA têm buscado abordar os princípios da boa cidadania, como responsabilidade social, equidade e transparência?

CR - Sim, temos pessoas trabalhando aí. Podemos incorporar todas as boas práticas nos sistemas de IA. Tudo depende se o ser humano, ou quem controla as situações, quer mesmo que essas componentes sejam incorporadas nos sistemas de IA. Por exemplo, garantindo transparência um governante vê-se mais limitado a tomar uma decisão pública que favorece à priori um amigo seu e prejudica outras pessoas ou empresas. Mas quem encomenda um sistema de IA quererá mesmo essa funcionalidade? Acha que isso seria viável aqui no Brasil? O problema não está na IA, mas no ser humano.

ER - O que fazer para que a Inteligência Artificial não seja usada para restringir direitos de dados ou a privacidade de indivíduos, famílias ou comunidades?

CR - O problema não é apenas com a IA, mas com as Tecnologias de Informação. As pessoas não estão preparadas para compreender que cada vez que usam tecnologia fica um rastro. Não é só a IA que pode usar esse rastro, as Bases de Dados e as Redes Sociais têm essa informação toda bem antes da IA. A IA apenas dotou alguns sistemas com a capacidade de efetuar reconhecimentos adicionais, como o de voz ou o de imagem. As pessoas têm de ter mais formação sobre todas essas questões.

ER - Como o senhor avalia o uso da Inteligência Artificial em armamentos e tecnologias bélicas?

CR - Recentemente tivemos informação de um projeto da Marinha Americana sobre um robot submarino que podia lançar até 12 torpedos e ser comandado por IA sem intervenção humana. A IA decidindo se deve ou não atacar e matar pessoas. Não é bem assim, a responsabilidade está sempre do lado humano que decide as condições a atender no design do software de IA de controlo do sistema. E se ao invés de atingir uma embarcação que nos vem atacar acabamos por acertar num barco de refugiados! Cá estão os problemas morais e éticos todos novamente. Assim como acho que um diagnóstico e sugestão de terapia na saúde, que pode ser feito com IA, deve ter um médico que se responsabilize, e o sistema de IA é apenas mais uma ferramenta de que dispõe, também no cenário de guerra deve haver uma pessoa que se responsabilize pelo ataque, atacou porque alguém deu aval a que em certa situação isso acontecesse.

ER - É possível fazer com que as características tecnológicas da IA estejam em sintonia com as questões sociais que desafiam a humanidade?

CR - Falamos sobre o perigo da IA ficar concentrada em poucas empresas, os gigantes das TI, ou em poucos países. Mas a IA tem de ser também para resolver os problemas da sociedade, como ajudar a desenvolver vacinas ou a erradicar a fome. As empresas e países fortes na IA devem ter a obrigação de dedicar uma porcentagem significativa do seus lucros nesses desafios sociais.

ER - O senhor defende a implementação de um código de ética universal para a IA? A regulamentação seria capaz de permitir que essa área do conhecimento se desenvolvesse de forma ética e segura?

CR - Sim, sempre que se desenvolve um sistema de IA devemos primeiro garantir que estejam a ser cumpridas premissas éticas e morais, esses sistemas não poderão ser certificados para serem usados se não houver essa garantia. Quanto à segurança temos uma situação curiosa, hoje em dia todos os sistemas de segurança informática estão usando a IA para detetar ciberataques, mas será que quem ataca não está usando essa mesma IA para contornar essas defesas baseadas em IA.

Outra vertente da segurança está relacionada com o terrorismo. Reconhecer por Visão por Computador um potencial terrorista numa instalação crítica como um aeroporto ou uma sala de espetáculos ou com reconhecimento de voz e língua natural identificar uma conversa suspeita entre criminosos é algo que todos desejamos que seja feito. Mas estaremos de acordo que possamos ser reconhecidos também e que haja o risco de por essa via ser efetuado o controle e rastreamento das pessoas. E quando isso é usado não para identificar onde está o terrorista mas sim o opositor político. É que as fronteiras são por vezes difíceis de definir. As entidades mundiais devem preocupar-se com todas essas questões e como se define o que se deve fazer por segurança e até que ponto é que se pode ir.

ER – Qual o papel da IA para o desenvolvimento científico, os avanços sociais e a soberania política dos países em desenvolvimento?

CR - Áreas como a Inteligência Artificial e a Robótica serão cada vez mais vitais no futuro. Assim como os países que se atrasaram na Industrialização ficaram irremediavelmente limitados no cenário do desenvolvimento importa que as apostas em Ciência e Tecnologia sejam reforçadas na IA para potenciar todo um ecosistema de empresas inovadoras do setor que possam atuar no mercado global.

ERQuais os principais centros de pesquisa no mundo para os jovens que querem se aprofundar na área de IA?

CR - Há países muito fortes na IA, em particular os Estados Unidos, a China e a Europa como um bloco, mas ir para uma escola de referência como o MIT, Carnegie-Mellon ou Stanford é difícil e fica muito caro. A boa notícia é que há excelentes centros de pesquisa e cursos superiores ligados a IA em todo o mundo, estes últimos mais ao nível de Mestrado. Reconhecendo a necessidade de formar mais pessoas na área fiz a proposta em Portugal da criação de um Mestrado em Engenharia de Inteligência Artificial, o único em Portugal com uma visão ampla da IA e com Inteligência Artificial no nome. Foi muito procurado e arranca agora em Outubro. Acredito que no Brasil também estejam para surgir em breve os Mestrados em Inteligência Artificial e terei todo o gosto em poder ajudar nessa tarefa. 

ERQue habilidades, conhecimentos e pré-requisitos são necessários para quem tem interesse em iniciar uma carreira de pesquisador na área de IA?

CR - Dentro das TI já há várias profissões centradas na IA e mais bem pagas que outras não focadas na IA. Falando nas TI é fundamental um bom preparo na Matemática e Computação, sobretudo em Programação. Se seguir o caminho das Ciências de Dados e Machine Learning convém uma boa preparação em Estatística. Mas IA não é apenas tecnologia, e em breve surgirão cada vez mais profissões ligadas a outras áreas. Aí os pré-requisitos terão a ver com questões mais das ciências humanas (por exemplo para Gestão e Direito da IA), saúde, criatividade (Design de interfaces de IA com o ser humano) e outras.   

*Carlos Ramos fundou e dirigiu o Grupo de Pesquisa em Engenharia e Computação Inteligente para a Inovação e o Desenvolvimento (GECAD); é diretor do Mestrado em Engenharia de Inteligência Artificial do ISEP/IPP; e tem estabelecido parcerias com Institutos Federais do Brasil em diversos projetos internacionais de pesquisa e inovação pedagógica.

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