Professores contam histórias de superação e amor à docência
Capacidade de superar adversidades marca trajetória de servidores do IFS que apostaram no caminho da educação
Carole Ferreira da Cruz
Robson Silva de Lima foi um menino pobre, criado num bairro estigmatizado, onde a única perspectiva era ser servente de pedreiro, cortar cana ou seguir o caminho das drogas. Mas havia algo no meio do caminho: o gosto pelos estudos e a vontade de mudar de vida. O garoto obstinado, que vivia com os livros debaixo do braço, passou no vestibular para Engenharia de Pesca, concluiu o mestrado em Recursos Hídricos e hoje é professor dos cursos de Aquicultura e Recursos Pesqueiros do Instituto Federal de Sergipe (IFS), nos campi São Cristóvão e Estância.
Trajetórias de superação como essa mostram que, num país marcado pela desigualdade e a exclusão social, o caminho para construir um futuro melhor tem que passar pela educação. A escola deve ser um ambiente envolvente, acolhedor e inspirador, as carreiras docentes precisam ser atrativas e as boas condições de ensino têm que ser prioridade, sobretudo para quem mais precisa. Quanto mais humilde a origem, mais a educação mostra sua potência transformadora.
A aprovação na Universidade Federal de Alagoas (UFAL) foi um divisor de águas na vida de Robson. “Mesmo ouvindo que nas Cacimbinhas, na cidade de Penedo, não podia ter gente estudiosa, sempre segui em frente. Eu caminhava cerca de 3 km para chegar à escola. Às vezes ia sem nem ter tomado café da manhã. Com isso, eu enchia o bolso com tomate e banana para ir comendo pelo caminho. O meu pai sempre me dava R$ 1 por dia para eu me virar. Aí eu tinha que escolher: ir de ônibus ou lanchar. Eu escolhia lanchar. Ia e voltava a pé”, contou.
O despertar para a carreira docente veio nos tempos de bolsista do projeto Conexões dos Saberes, que oportunizava a jovens carentes aulas de pré-vestibular ministradas pelos estudantes universitários. “Fiz a seleção, fui aprovado, passei a ensinar história e muita estória. O momento que vi na veia que poderia ser professor foi quando estava vendendo trufas no comércio perto da UFAL, entrei numa loja, me apresentei e uma mulher olhou pra mim e disse: - Ah, você é o famoso Robson! Os alunos falavam muito bem de você”, relembrou.
Novos caminhos
Ana Júlia Costa Chaves Silva teve uma infância difícil, assombrada pelo fantasma da poliomielite, que a deixou com uma deficiência motora, e por um ambiente familiar cercado pela violência doméstica e o alcoolismo. A menina se sentia o “patinho feio” da família e, após a separação dos pais, acabou sendo criada por uma tia que era professora. A influência dela, a paixão pela leitura e a dedicação aos estudos abriu caminhos para que barreiras fossem rompidas, realidades transformadas, sonhos realizados.
A educação fez aquela menina insegura, de sorriso fácil e brilho nos olhos, sair em busca de si mesma. “A escola foi meu baluarte em todas as etapas da minha trajetória, foi onde minhas ideias e eu enquanto sujeito pensante, cheia de emoções, fui legitimada. Lá eu saio do meu casulo e começo a trilhar um caminho cheio de descobertas. Fui apresentada literalmente ao mundo quando passei a ter a identidade de ‘estudante’, e não mais aquela menina de infância difícil que tinha medo da vida”, relatou.
Pedagoga especialista em Psicopedagogia e Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), mestre e doutoranda em Educação, Ana Júlia é professora do IFS - Campus Lagarto, onde coordenou entre 2015 e 2019 o Núcleo de Apoio às Pessoas com Necessidades Educacionais Específicas (Napne). Antes disso, teve outras experiências em sala de aula, inclusive na educação fundamental, e desde então já se passaram 25 anos. Ensinar crianças foi sua primeira experiência de inclusão.
A professora achava que não seria aceita, mas foi recebia com amor e acolhimento. “Todos os dias quando levava minha turma à área externa para brincar, renascia a criança que adormecia dentro de mim e iniciavam as pegadas por um caminho rumo a uma profissão que me fez sentir uma águia (lembrando o texto do Leonardo Boff) capaz de ensinar aqueles meninos e meninas a voarem e pensarem como águias! [...] Eu só consegui voar porque a educação me proporcionou algumas asas: dignidade, desejo e conhecimento”, destacou.
Histórias inspiradoras
Professora de Português do IFS – Campus Estância, Jocelaine Oliveira dos Santos, conhecida como Jô, ingressou na Rede Federal há 10 anos no município de Amajari, região Norte, cercado por comunidades indígenas e assentamentos rurais formados, em sua maioria, por migrantes do sertão nordestino e do Maranhão que foram para Roraima nos anos 80. A experiência de ensinar nos rincões do país a faz testemunhar histórias inspiradoras de estudantes que venceram toda sorte de adversidades para construir um futuro promissor.
Jô viu de tudo: até picolezeiro analfabeto matriculando filho em Engenharia. “Presenciei histórias de alunos que sequer teriam o direito de acessar uma educação de qualidade, que sequer sonhariam com pesquisa e inovação, que sequer vislumbrariam romper com ciclos de desigualdades, avançarem em sonhos, em realizações, em busca de melhores oportunidades no mundo do trabalho. Mesmo hoje, com as tentativas de desmonte, os cortes e as perseguições, ainda conseguimos fazer uma docência mais humana e reflexiva, porque isso está na gênese dos IF desde 1909 quando se deu a criação com Nilo Peçanha”, ressaltou.
Entusiasta do processo de interiorização dos IF, Jô Oliveira escreveu uma tese de doutorado sobre a docência nos institutos e a importância desse patrimônio da educação brasileira no contexto do avanço dos direitos humanos, da construção da dignidade e da justiça social. “O que eu vi na Rede Federal, ao longo de todos esses anos, foram professores empenhados, recursos bem aplicados e muitos estudantes que entendiam o papel que a educação poderia operar em suas vidas, que estavam convencidos de que por ali havia um caminho de possibilidades”, avaliou.
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