Egressos da primeira turma de Português como Língua Adicional contam experiência com curso pioneiro do IFS
O curso foi executado no primeiro semestre deste ano e faz parte da adesão ao Programa do Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (Conif)
Por Irion Martins, com supervisão de Monique de Sá
O desafio de implementar um curso de língua portuguesa para estrangeiros começou desde o processo seletivo. Com o início das inscrições, a Coordenação de Registro Escolar (CRE) precisou traduzir documentos de candidatos nos mais variados idiomas, do inglês ao persa.
Foi com a intenção de propagar a língua portuguesa e colaborar com a integração de imigrantes no Brasil que o curso de Português como Língua Adicional (PLA) surgiu, acolhendo estrangeiros residentes em Sergipe ou não. A iniciativa da Assessoria de Relações Internacionais em parceria com o Departamento de Educação a Distância já está formando, neste semestre letivo, a sua segunda turma.
A primeira turma composta somente por estrangeiros da história do IFS iniciou suas atividades no dia 1º de março de 2023 e se encerrou no dia 28 de julho, totalizando cinco meses de curso. As aulas aconteceram a distância, no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) disponibilizado pela Rede, dispondo de momentos síncronos para realização de atividades e esclarecimento de dúvidas. Foram 16 alunos de nove nacionalidades diferentes, oriundos de quatro continentes: Afeganistão, Paquistão (Ásia); Gana (África); Dinamarca, Inglaterra (Europa); Canadá, Peru, Venezuela e Uruguai (América). Conheça alguns desses personagens nesta reportagem especial do Departamento de Comunicação do IFS.
Aula com memória, autoestima e identidade
“Quem sou eu?”. Pergunta norteadora das aulas, essa frase foi introduzida pelos professores para estimular a comunicação no novo idioma. O que parecia um tema de respostas breves, ao mesmo tempo ajudava a resgatar a história e as afetividades dos imigrantes. Com uma combinação de aulas ao vivo e vídeos pré-gravados, as abordagens eram sempre culturais. Fóruns online, festivais de forró virtuais e até exposições de música virtual para aprender sobre a Música Popular Brasileira (MPB) marcaram os encontros.
“Participamos de situações de simulação de vida real, onde praticamos um caso de ganhar na loteria, fazer arranjos de viagem para lugares que gostaríamos de visitar, pedir direções e manter conversas cotidianas”, conta John Matthias Attah-Baah, que veio de Gana para estudar Física na Universidade Federal de Sergipe (UFS), em 2019. “Essas atividades não apenas reforçaram nossas habilidades linguísticas, mas também incutiram um senso de autoconfiança no uso do português em situações da vida real. À medida que avançamos na língua, adquirimos conhecimento sobre conjugações verbais, gêneros de substantivos e estruturas de frases”, detalha.
Attah-Baah revela que chegou ao Brasil sabendo apenas duas frases em português: “Bom dia!” e “Onde fica o banheiro?”, brinca. Ele descreve seu primeiro dia na aula de eletrodinâmica na universidade como “inacreditável”, ao relembrar o que seu professor disse: “John, as regras não permitem que ensinemos em inglês, então darei as aulas em português, e se você não entender alguma coisa podemos conversar pessoalmente”. Ele conta que foi aí que percebeu que precisava aprender a língua portuguesa de qualquer maneira. “A primeira coisa que me impressionou sobre a aula de português on-line do IFS foi a conveniência que ela oferecia. Eu podia acessar a aula do conforto da minha casa, eliminando a necessidade de deslocamento”, diz.
Cada aula de português ia muito além da necessidade de dominar um novo idioma, mas entender os aspectos socioculturais do uso da língua. Para a peruana, Jackelyn Duenas, que pediu demissão depois de trabalhar por mais de oito anos na área jurídica corporativa de uma empresa para acompanhar seu esposo em uma oferta de trabalho em Aracaju (SE): “Definitivamente é importante conhecer costumes, porque em cada país é diferente. Às vezes podemos fazer algo que ofende os nativos daquele lugar, mas é por desconhecimento dos costumes. É difícil sair do país de origem, mas com as pessoas e as oportunidades que nos são apresentadas, alivia a angústia do estrangeiro”.
Jackelyn relembra que quando chegou ao condomínio onde iria morar com sua família, seus vizinhos lhe contaram que o IFS ofertaria um curso de português. Para ela, aquela oportunidade foi “algo incrível” diante de tamanha dificuldade em encontrar uma instituição de ensino que oferecesse essas aulas, pois, segundo ela: “nenhuma estava disponível, por falta de alunos”.
Luta pela permanência
Dos 16 estudantes da primeira turma, oito finalizaram o curso. Isso porque algumas dificuldades impediam a formação efetiva. “Todo mundo sabe que morar em outro país que tem língua diferente é difícil”, confessa Yasamin Mahmoodi, do Afeganistão. Há um ano e meio residindo em Aracaju, após ter obtido um visto humanitário brasileiro com a ascensão do Talibã, ela destaca que a educação não era um direito garantido em seu país. Foi um primeiro ano difícil e confuso, comunicando-se a partir de plataformas digitais de tradução simultânea até encontrar o IFS.
“Eu me inscrevi neste curso, mas as aulas eram à noite e eu não poderia estar presente devido às atividades da universidade. Então, o professor Fred me falou que sempre que pudesse, chamasse ele ou a professora Graziela e ajudariam. Devo mencionar que este curso foi muito útil para mim, porque melhorou minhas frases e palavras. Agora consigo falar português mais do que antes, quando não sabia nada. Finalmente eu pude pegar meu certificado”, Yasamin Mahmoodi, afegã.
O “Fred” citado por Yasamin é Frederico Chaves, professor e assessor de Relações Internacionais do IFS. Segundo ele, o nível de conhecimento desta turma era muito distinto. “Alguns tinham um nível mais avançado, outros bem básico, outros praticamente zero. Os servidores iam se comunicando para poder ajudar os alunos na questão da permanência e êxito no curso. Isso, para mim, foi muito marcante, fiquei até emocionado quando eu vi. A gente às vezes fazia, numa reunião remota ou então via nas conversas em grupo ou individuais do Whatsapp, incentivos à participação no curso”, conta.
Para o professor e assessor, além dos diferentes níveis de conhecimento, as próprias diferenças culturais eram um desafio à permanência. De acordo com ele, aspectos como o fuso horário afetaram estudantes que residiam no hemisfério norte, por exemplo. Como alternativa de incentivo à conclusão do curso, despontou a necessidade de elaborar um material trilíngue, em português, espanhol e na língua do aluno imigrante. A estratégia era uma forma de “aprovisionamento do português”, como definiu o professor.
Encontros e despedidas
Com o fim do curso, em julho, o contato entre estudantes e professores não terminou. Nostálgico, o ganense John Matthias falou da última reunião virtual, quando os vínculos já estavam mais estreitos. “Tínhamos percorrido um longo caminho desde nossas primeiras tentativas tímidas de ‘Quem sou eu?’. O professor nos incentivou a continuar aprendendo e nos envolvendo com a língua, e até nos convidou para celebrar seu aniversário com ele (uma reunião para nos encontrar e praticar também). Recebemos certificados de conclusão, o que realmente parecia uma conquista triunfante”, comemora.
Compartilhando desse triunfo, o Instituto Federal de Sergipe já oferta a segunda turma de PLA e enxerga a força do movimento como uma ação de cidadania. Graziela Gonçalves Moura, coordenadora do curso, falou sobre a experiência na gestão do projeto.
“Coordenar o PLA me fez voltar o olhar para os refugiados e imigrantes, um universo que eu não conhecia”. Eu considero o PLA como uma ação de cidadania, pois o simples fato de ensinar a nossa língua ou de aprimorar o uso daqueles que já sabiam falar o português fez diferença na vida dessas pessoas, permitiu uma maior inserção deles na nossa sociedade. Tudo isso nos motiva a ofertar cursos ainda melhores e que façam a diferença na vida das pessoas”, reflete Graziela.
Desde julho, o IFS prevê a inclusão, em seus processos seletivos, de vagas para pessoas solicitantes da condição de refugiadas e imigrantes, além de pessoas trans (transgêneros, transexuais e travestis). A portaria nº 1900, da reformulação do processo seletivo, segue para a Procuradoria Federal e depois para aprovação do nosso Conselho Superior (Consup). Saiba mais sobre a medida, clicando aqui!
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